Acho que todo o mundo tem um desejo intrísico de conhecer o seu presidente. Não importa se é para ver de perto o governante que você elegeu, reclamar da gestão ou simplesmente por pura curiosidade de ver em ação o cara que manda no país.
Eu, sinceramente, nunca pensei que teria a oportunidade de conhecer o presidente Lula antes do fim do seu mandato. E muito menos pensei que teria que orquestrar urgentemente uma visita do presidente ao nosso projeto Cash-for-Work e aparecer nas fotos oficiais ao lado da equipe ministerial como um bom papagaio de pirata. Para que a ironia estivesse completa, estava até vestida de verde limão. Melhor caracterizada não poderia estar.
O Lula veio ao Haiti no dia 25 de fevereiro para uma viagem relâmpago ao país, onde teria que assinar contratos de cooperação com o presidente haitiano, René Preval, sobrevoar a cidade de helicóptero, assistir uma parada militar, almoçar com os soldados e visitar um projeto do Viva Rio numa das zonas mais perigosas do país.
Numa coletiva de imprensa montada para 50 jornalistas, muitos vindos do Brasil, outr
os tantos haitianos e uns poucos internacionais, Lula iria finalmente determinar onde investiria os prometidos 15 milhões de dólares anunciados no começo de fevereiro. Seria a bolsa Haiti? Seria o programa Cash-for-Work? Agricultura? Construção de hospitais? Hidrelétrica? Quem acompanhou as notícias dos jornais no último mês com certeza ficou com a imprensão que o nosso presidente ira apostar por todos os setores da economia haitiana, praticamente inexistente antes mesmo antes do terremoto.
Protocolos não existiram no dia da visita. Antes do Preval e o Lula sentarem para conversar, eu e a Eliana, gerente até então do nosso projeto Cash-for-Work, conseguimos invadir a sala de reunião graças a um convite da embaxatriz. A Eliana já tinha trabalhado com o Lula no passado e por isso a intromissão das caras de pau não era tão grande assim. O problema foi a sucessão de gafes que seguiram essa invasão. Primeiro, eu ignorei completamente o fato que o presidente Preval estava na sala. Talvez porque ele seja muito miudinho e que, além de tudo, depois do terremoto ande meio cabisbaixo e tenha perdido o brilho e a postura que um chefe de Estado deveria ter. De todas as formas, o presidente insistiu em me conhecer e veio de apresentar com a mão estendida. Apertei levemente sua mão e soltei um “enchanté” sem muito entusiasmo, porque sabia que tinha apenas segundos para tirar a foto do Lula segurando a camiseta do nosso projeto que a Eliana tinha acabado de lhe entregar antes de ser expulsa da sala. Ela tentava, em poucas palavras, comentar ao presidente sobre a importância do Cash-for-Work e eu só gritando: “Eliana, a foto! Eliana, a foto!”. Finalmente, foi o próprio Lula que organizou o coreto, cortou o discurso e disse “Eliana, olha pra foto”. Voilá, consegui a imagem tão desejada, com muita luminosidade no fundo, meio tremida, mas pronto, é a foto do cara com a nossa camiseta.
Infelizmente, contrariando o que os jornais tinham publicado, os projetos de cooperação não incluíram doações para o Cash-for-Work. Anunciaram a construção de uma hidrelétrica com capacidade de eliminar a escuridão de até 60% das casas e ruas de Porto Príncipe e divulgaram também que o Brasil importará todos os produtos agrícolas produzidos no Haiti. O que seria? Duas caixas da manga? Um pouco de arroz? Bananas? A produção do campo é mínima por falta de uma política agrícola e a devastação massiva do país. O pouco que ainda sobra antes do começo da temporada de chuva está sendo consumido massivamente pelas famílias que fugiram de Porto Príncipe para as zonas rurais em busca de uma vida melhor e longe dos tremores. Então, importar o que exatamente?
Ninguém perguntou e nem tinha como. A coletiva de imprensa foi cancelada, apesar de todos os jornalistas já estarem há uns 40 minutos apinhados numa sala abafada e pequena. Os acordos foram lidos de maneira protocolar, mas minutos antes da entrada dos presidentes, o assessor de comunicação tinha jogado um balde de água fria nos jornalistas ao avisar que a coletiva ia ser adiada para uma hora indeterminada (ou seja, cancelada mesmo, tendo em consideração que já era 14h e o presidente ia voar às 17h).“Como assim?”, perguntaram os jornalistas. “Já estamos todos prontos e preparados. Precisamos apenas que responda algumas perguntas.” O ministro de defesa, Nelson Jobim, precisou entrar na sala e tentar, de forma castrense, colocar ordem no lugar. “Não tem coletiva de imprensa e ponto”. Murmurinhos, palavrões e uma frustração geral tomou conta do lugar. “ É por isso que sempre levamos furo da imprensa internacional”, comentou uma jornalista. “O governo ainda não sabe trabalhar com a imprensa.”
No entanto, para a felicidade dos jornalistas, nosso cara não sabe participar de um ato cerimonial e ficar de boca calada. Depois de assinar os acordos, disse umas palavras para o companheiro Preval, lembrando que o Haiti é um país soberano, que ele foi eleito democraticamente pelo povo, e que por isso não poderia se subjugar aos desejos de outras nações. Insistiu que o Preval deveria decidir o destino do seu país, que agora tinha a oportunidade de renascer com mais força. Palavras de consolo que quase fizeram o seu homólogo haitiano chorar
Saindo da coletiva de imprensa, chegou a bomba nas minhas mãos através d
a Eliana. “A comitiva do Lula mudou de idéia. Já não vai mais a Bel Air porque o risco é muito alto para a vida do presidente. Temos que ir buscar os trabalhadores para ele vai visitar o nosso projeto”. Milagrosamente, conseguimos encontrar vários trabalhadores dispostos a aparecer na filmagem e montar o show para o Lula. Tudo seria perfeito se não fosse o fato do assessor de imprensa começar a encrencar novamente com a logística do ato. “Primeiro entra o presidente para ver os escombros, logo entra os trabalhadores, senão vai poluir o cenário e estragar a foto”. Poluir o cenário? Estragar a foto? “Peraí”, respondi, bastante zangada. “Não era que o Lula queria vir aqui para conhecer o projeto? Para falar com os trabalhadores? Como é que eu vou mandar os trabalhadores entrarem depois dele? Vai parecer encenação demais…”
“Minha filha, o que você quer então?”, respondeu o senhor, me deixando ainda mais irritada com o “minha filha” – desde quando e eu tenho mais de um pai? Mas já era tarde demais para negociar. Os jornalistas chegaram, o Lula logo depois. Metemos os trabalhadores atrás do presidente e ficou tudo meio patético demais, mas fazer o quê? Ao menos nosso cara quis saber mais do projeto, conversou com as mulheres, perguntou se elas estavam contentes e todas afirmaram que o Cash-for-Work tinha mudado a vida delas. Graças a todos os santos, porque eu já começava a suar frio apesar do calor de 30 e tantos graus.
Ao final, tudo teria saído mais ou menos bem se eu não tivesse cometido a última gafe do dia. “Senhor presidente, quando o senhor acabar o mandato em outubro tem que voltar ao Haiti para dar uma mãozinha”, disse com todo o entusiasmo de alguém que fala com o seu presidente pela primeira vez. “Em outubro não minha filha, em dezembro”, corrigiu-me o mandatário. “Ah, claro, senhor presidente, em dezembro”, foi o único que consegui dizer antes de me enterrar de vergonha.
Lição aprendida dessa tarde de gafes e quebra de protocolos: seja a Dilma, seja o Serra nosso próximo presidente, tenho que assegurar que terei algo mais inteligente para dizer na próxima visita oficial.
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